“Os sindicatos dos professores não querem, de todo, a avaliação. A maioria da classe não quer, e todo, a avaliação. Mas já é tempo de aceitar que essa é a vontade de um governo democraticamente eleito (…)”. A frase serve de justificação à seta descendente que, associada ao nome de Mário Nogueira, aparece no sobe e desce do Público de hoje.
Quem me conhece sabe o quanto me sinto pouco próxima dos movimentos sindicais e o quanto me situo nos antípodas do pensamento político de Mário Nogueira. Mas não creio que a argumentação proceda, a não ser que advoguemos que a legitimidade formal de uma medida é garante do seu acerto material. Pode, de facto, a avaliação corresponder à vontade de um governo democraticamente eleito – ainda que, em rigor, este não seja fruto directo de eleição –, sem que isso nos ateste do seu mérito.
Este depende antes da possibilidade de, por meio dela, se atingirem eficazmente objectivos que correspondam ao sentido do justo: a discriminação positiva dos melhores profissionais e a valorização da Escola Pública. Ora, no caso concreto, não só se mostram frustrados os objectivos, como o desenho do modelo avaliativo instituído conduz ao esvaziamento da essência do que deve ser a função de um docente.
Não falo já do infindável número de horas gastas em procedimentos burocráticos, em prejuízo do investimento que deve ser feito na preparação das lições e na actualização científica dos conteúdos, sequer das pontuais situações de injustiça relativa a que muitos se vêem votados. Tenho em mente algo mais grave, porquanto ponha em causa a Escola responsável pela formação dos futuros quadros deste país.
É que, se tivermos paciência para passar os olhos pelos documentos que vão sendo elaborados nas Escolas, como guias da aferição da prestação dos docentes, constatamos, rapidamente, que os mesmos, estribados nas orientações emanadas pela tutela, se orientam por critérios eficientistas que buscam o sucesso a todo o custo, ainda que à custa do próprio sucesso, tornando os docentes reféns dos seus discentes.
Ensinar envolve, é certo, a transmissão de conhecimentos, numa actividade transitiva, em que o discente surge como o destinatário privilegiado do trabalho levado a cabo dentro e fora da sala de aula. Conformada como uma tarefa comunicativa, a docência não pode descontar, como é óbvio, o interlocutor de circunstância que, longe de espectador passivo, aparece, numa relação dialógica, como o outro a quem o professor se dirige, concentrando atenção e dedicando esforço. Por isso, a actividade do professor será tanto mais meritória quanto a forma e o modo de fazer chegar um determinado conteúdo ao outro diante dele colocado forem eficazes.
Há, porém, que entender de modo hábil a eficácia a que se alude, pois que, se o resultado potencialmente alcançável não é produto directo da conduta do docente, mas espelho da equação que assume como pólos irredutíveis aquela aliada dialecticamente às capacidades e empenho dos discentes, não se pode macular a questão com a nota da eficiência tecnocrática.
Fazer das notas atribuídas um critério de avaliação torna-se, pois, chocante, seja porque a tarefa que cada professor abraça se projecta na emergência de uma obrigação de meios (o docente deve envidar todos os esforços para ensinar, não podendo garantir o resultado que pretende, porque o mesmo está dependente de uma miríade de variáveis e do contributo directo e incontornável do discente), sendo só complementada por acessórias obrigações de resultado (v.g. o docente tem a obrigação de resultado de dar aulas, de prestar o serviço que lhe é confiado, sendo estas obrigações instrumentais do dito sucesso escolar que se pretende alcançar, embora não o condicionem causalista e deterministicamente), seja porque o interesse directo que passa a ter num acto administrativo em que se consubstancia o processo avaliativo dos discentes pode suscitar um incidente de suspeição ou mesmo de impedimento, nos termos da lei administrativa.
E mais chocante ainda, porque, mesmo que correspondente à vontade de um governo “eleito democraticamente”, é espelho fiel de uma política que, prestando culto à estatística, faz do facilitismo a palavra de ordem.