segunda-feira, 20 de outubro de 2008

A derradeira causa fracturante




Há um limite para o número de causas fracturantes. A taxa actual de uma por legislatura só é possível dado a ditadura ter sido tão parcimoniosa no seu dispêndio como o foi no das preciosas reservas de ouro. E a democracia, estouvada como foi a estoirar as divisas, assim também procedeu com o espólio de causas divisórias laboriosamente amealhado. Toca de gastá-las sem pensar no dia de amanhã, sem cuidar de saber se são ilimitadas em número, ou pelo contrário bem poucas, a exigir prudência e aforro.
Primeiro a interrupção voluntária da gravidez. Depois, o casamento gay, que será oportunamente seguido da adopção de crianças por casais homossexuais. Brevemente, a eutanásia. Nos intervalos, a legalização da cannabis. Temas facturantes, a prometer render votos nas novas camadas demográficas e em toda uma massa popular esclarecida para as novas realidades sociais, senão nos manuais de Marcuse e Sartre, pelo menos nos reality shows de Teresa Guilherme.
Mas - e a seguir? Não é crível que a população portuguesa esteja preparada, nos anos mais próximos pelo menos, para o sexo inter--espécies entre adultos esclarecidos. Ou para a administração de shots de tequilla a menores de 5 anos. Ou para a condução em sentido aleatório. Lá chegaremos, mas não será certamente coisa para os próximos dois ou três anos.
Que fazer então, quando se tem a responsabilidade de fazer singrar um partido trotsquista, ou a ala esquerda de um partido socialista? Que bandeiras agitar? Que novos caminhos de progresso social rasgar?
Há sempre as questões de mercado, mas os líderes da esquerda das causas já perceberam que, à medida que aumenta o nosso rendimento através dos subsídios que laboriosamente extraímos da terra, vamos ficando cada vez menos sensíveis a propostas de distribuição de rendimento. Restam então os temas sociais, tudo aquilo em que o nosso livre arbítrio ainda se encontra abusivamente tutelado pela Igreja, e não nos toca na carteira. Mas, como se disse atrás, vão escasseando.
Há que recorrer então à imaginação, essa propriedade etérea que distingue a riqueza semântica dum contrato de seguro de um antónio josé seguro propriamente dito. Andam por aí causas inauditas, que nos passam porventura debaixo do nariz, disfarçadas de apreciações consensuais, de temas de regime, mas escondem todo um potencial facturante. Ou será que um dia teremos de fechar as poucas causas que nos restem, juntamente com uns quantos genes de lince da Malcata, e gravuras do Coa, numa vitrine com um rótulo de «Quebrar em caso de emergência»?
Não.
Propomos aqui uma verdadeira causa fracturante. É só um exemplo entre muitos que nos escapam à atenção. Comemora-se hoje, segunda-feira, o seu dia nacional. As rádios falaram dela, mas através de médicos e enfermeiros, não de vanguardas iluminadas. Atinge sobretudo o género feminino, o que dá todo um enquadramento de luta pela emancipação, que a estafada queima de soutiens já não alcança. Mas afecta também os idosos, o que permite disputar mercado num grupo-alvo tradicionalmente conservador. Abramos os olhos, camaradas. Quando mais causas não houver, ergamos-nos para defender a última causa fracturante: legalização da osteoporose, já!!

4 comentários:

Rui Castro disse...

I'm "flagge blasted", Ferreira Lima. Obrigado.

Nuno Pombo disse...

Meu grande subversivo.
Sou contra, claro.
Oh Rui Castro, bem te disse que não devíamos ter desafiado este cromo revolucionário. Daqui a nada está a defender a legalização da 3ª auto-estrada Lisboa - Porto...

José Luís Malaquias disse...

Pois, o mano estava, de facto, inspirado, mas foi buscar a retórica aos melhores manuais estalinistas.
A receita é velhinha mas nem por isso menos eficaz. Misturam-se coisas que consensualmente são más com coisas que nós achamos que são más e, assim, pintamos os adversários do odioso que lhes queremos colar.
Meter no mesmo saco todas as «causas fracturantes» só porque existe um partido minoritário que as defende quase todas é tão honesto como dizer que, por se defender o livre-mercado, se é pela invasão do Iraque, que, por se ser católico, se é a favor dos touros de morte ou que, se não se gosta de comunas, se é a favor dos fornos crematórios de Auschwitz.
Na lista de «pecados» que o mano enumera, põe no mesmo saco actos que não afectam ninguém e só não são legais por razões histórico-culturais, como fumar um charro, e actos que resultam na morte de um ser humano, como o aborto ou a eutanásia. Metendo-as todas no mesmo saco, consegue-se pintá-las como uma vontade da minoria imposta sobre a maioria. O raciocínio é fácil de perceber. Sendo causas fracturantes (algumas delas, outras nem tanto), fracturam as opiniões em campos de tamanhos equivalentes. Agora, pessoas que ocupem sistematicamente os campos que o Jorge quer pintar de negro, há muito poucas. Eu, pessoalmente, não conheço ninguém que seja, simultaneamente, pelo aborto, pelo casamento gay, pela legalização da cannabis, pela adopção por casais homossexuais, pela eutanásia, pelo sexo entre-espécies e pela osteoporose. Mas conheço muita gente que adopta uma ou duas dessas posições. Muitas delas correspondem mesmo a uma maioria larga da população.
Por isso, elas devem ser vistas caso a caso e não todas metidas no mesmo saco.
Eu, por mim, vou continuar a ser pela legalização da cannabis e contra o aborto, por muito que o Jorge e a direita me queiram enfiar no mesmo saco com abortistas e eutanasistas.
E vou continuar a ver o Jorge como uma pessoa contra o aborto e contra a cannabis, mas que não defende o fim da democracia. Porque eu não meto todos no mesmo saco.

disse...

Eu quando fôr grande, gostava de escrever assim.
OBRIGADO DINAMO!!!!