segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

A Família

A Igreja Católica celebrou ontem a festa da Sagrada Família. É evidente que esta celebração mobiliza primeiramente o universo católico. Contudo, a festa da Família ganha particular importância à luz das últimas declarações do Papa a este respeito e da polémica que os meios de comunicação social e os lóbis do costume em torno delas entenderam empreender e amplificar. Sobre este assunto, já o João Gonçalves, e bem, se pronunciou. O Público do dia 24 de Dezembro, com destaque, dedica-se a essa polémica, com o mérito de apresentar a tradução da parte relevante do discurso do Santo Padre e as opiniões do Pe. Peter Stilwell e de Desidério Murcho.


Note-se que o Papa não se refere, nem por uma vez, à homossexualidade ou aos homossexuais. Bento XVI limita-se a explicitar uma evidência: a de que é dever indeclinável da Igreja e dos Cristãos defender a Criação. Toda a Criação e não apenas parte dela. E a Família, neste sentido, é criatura de Deus. Tanto assim que o Verbo se fez carne, em Família. O mistério da encarnação é uma prova irredutível do amor de Deus pelo Homem. Ao invés de uma revelação épica, que a sua natureza messiância autorizava, Deus quis fazer-se homem, assumindo essa humanidade na íntegra. E em família. É no quadro desta espantosa Revelação que a Família se reveste de um carácter sagrado e, nessa medida, indisponível.


Claro que o sagrado não tem necessariamente de assumir forma de lei. De lei civil, entenda-se. Mas também não deverá o legislador civil, sempre, presumivelmente, com a melhor das intenções, empenhar-se em dispor da natureza, do que resulta da natureza das coisas, para moldá-la a seu contento ou ao seu capricho mutável. A natureza não está na disponibilidade do legislador e, nessa medida, também a Família não está. Dizer isto, porém, não significa, como tenho dito, que não possam ser justíssimas algumas das observações de quem defende uma remodelação do conceito de família, daquilo a que as vanguardas chamam "família moderna", por oposição à denominada "família tradicional". Ora, aqui, os adjectivos mais do que qualificarem, descaracterizam. Desvirtuam. Não há tradição ou modernidade no que à Família diz respeito. Há Família. Sem mais. E a Família é o que é. Não o que o legislador civil, a reboque de inconfessados interesses, pretenderá fixar.


Mas repito: há seguramente situações gritantes (e não apenas em relação aos homossexuais) que carecem de intervenção legislativa. E urgente. Contudo, essa intervenção deve ser orientada no sentido de debelar essas situações e não no de modelar um conceito natural, anterior ao próprio legislador. Como sublinha o Pe. Peter Stilwell, "defender que é necessário salvaguardar a ecologia humana é lembrar como é perigosa a ideia de que nos podemos libertar não só do Criador, como da ordem natural". A isto pode opor-se, como faz enviesadamente Desidério Murcho, uma linha argumentativa rasteira e que se furta, e talvez se perceba porquê, ao essencial: "Era o que faltava uma pessoa, só por usar saias, ou por ser Papa, não poder dizer tolices. Não é de esperar grande sensatez em adultos que acreditam que depois de uns gestos mágicos um copo de vinho se transforma em sangue".