terça-feira, 13 de janeiro de 2009
O ónus da prova
No meio de tanto estudo sociológico e antropológico e comportamental, de género e de génera, há uma área que tem passado desapercebida aos estudiosos e que, acho eu, mereceria muito mais atenção. Ainda nenhum se debruçou sobre a atitude e pensamentos dos homens enquanto esperam por uma mulher nas imediações dos "provadores de roupa" das grandes superfícies comerciais da especialidade em época de saldos.
Tendo eu tido uma recente experiência de campo nesta matéria, na qual fui, simultaneamente, observador e objecto de estudo, atrevo-me a partilhar com os nossos leitores algumas das conclusões a que cheguei.
Colocados na incómoda circunstância de terem que aguardar pela outra pessoa enquanto esta desaparece e ressurge envergando vestimentas variadas num ambiente super-povoado de consumidoras gralhentas e hiperactivas, os diversos homens presentes evitam olhar-se e descobrem renovados factores de interesse nos expositores vizinhos, nos telemóveis ou nos próprios sapatos. Enquanto o fazem, exibem uma expressão facial entediada entrecortada por momentos de alegria e atenção de cada vez que a cortina do provador se abre.
Há dúvidas quanto ao verdadeiro motivo desta alteração de humor, havendo quem defenda que a mesma se fica a dever ao aspecto de quem reaparece e à súbita necessidade de opinar com um mínimo de propriedade sobre o traje exibido e quem, antes, sustente que o júbilo implica a esperança remota de que a sessão esteja para acabar. E nunca está.
Pelo contrário, a inclusão tardia de dezena e meia de peças de roupa na pilha de trapos sujeitos a análise, dos quais meia dúzia ou menos serão efectivamente adquiridos pela cliente conscienciosa, infunde no homem que a aguarda a certeza, mil vezes confirmada, de que o tempo de espera será mais longo do que o previsto.
Esta convicção é demonstrada por ligeiros sinais de delírio que, aqui e ali, afloram entre os espectadores expectantes. Há quem pragueje baixinho, quem gesticule disfarçadamente, quem entabule acaloradas negociações consigo mesmo em linguagens vernaculares. E tudo isto é feito respeitosamente, sem perturbar aquela que, lá dentro, desconhecedora da sandice alheia, reflecte impavidamente sobre as virtudes do azul-bebé e os deméritos do rosa-velho e que apenas verá um sorriso na boca do desequilibrado de cada vez que lhe apresentar roupagem diferente para aprovação ou reprovação. Note-se que esta sujeição ao escrutínio alheio é meramente ritual e em nada influi na decisão final e pessoalíssima de aquisição ou não dos produtos.
Mas não se diga que tudo é sofrimento ou tédio. Os veteranos desta modalidade ensaiam já algumas actividades lúdicas como o “jogo das correspondências” - tentar descobrir quem espera por quem – ou a dificílima mímica (porque executada apenas com movimentos de olhos, sobrancelhas e nariz) intitulada “isso não te fica nada bem” dedicada àquela por quem se pena ou, em momentos de maior à-vontade, às restantes ocupantes dos pedantemente designados “gabinetes de prova” sequiosas por um olhar mais isento que o do respectivo acompanhante, já vencido pela dureza do processo.
Por muito que provem as que provam, a prova a sério faz-se cá fora.